MEU LIVRO - EDITORA CORPOS - PORTUGAL

domingo, 28 de outubro de 2018

A Palavra, o Medo e a Coragem









A Palavra tinha plena consciência do seu poder. Era sábia e muito inteligente. Por esse motivo muitas vezes exagerava em suas argumentações. Quando começava a falar, muitas vezes não tinha noção do alcance de tudo o que dizia. Dependendo da entonação de voz que usava, era como se de repente, um gigante adormecido se materializasse. Seu aspecto era assustador. Seus passos eram pesados e retumbavam a cada passo que dava. Quando sua figura imponente se aproximava, o Medo se escondia o mais que podia, temendo que o gigante pudesse se aproximar. A sombra crescia a medida que o gigante andava e quando ele falava, o vozeirão fazia as paredes trepidarem e se alguém ousasse retrucar qualquer coisa, ele amassava e reduzia a pó, com uma única exclamação. E todo o dia, os mesmos fatos se repetiam. O Medo se escondia quando ouvia os passos do gigante se aproximar. Vendo que o Medo não tinha quem o defendesse, a Coragem, que o observava calada, resolveu interceder a seu favor, não sem antes tentar argumentar:
- Não se deixe intimidar. Você não pode aceitar tudo o que o gigante te diz e ficar calado.
- Mas eu tenho medo, disse o Medo, já tremendo, sem poder se controlar.
- Pois é esse medo que o torna inferior e a Palavra sabe disso, por isso tem todo o poder sobre você!
- E o que posso fazer, perguntou o Medo, já mais animado.
- Você deve observar a Palavra, quando ela falar qualquer coisa que o entristeça. Em algum momento ela vai deixar transparecer alguma coisa que você possa usar contra ela, respondeu a Coragem, insuflando o peito, cheia de conhecimento de causa.
- E se não der certo? Perguntou o Medo, voltando a tremer, mas agora já mais animado.
- Pode não dar certo da primeira vez, mas você vai ter que tentar, senão serás um eterno dependente da Palavra.
E o Medo assim fez. Quando ouviu a Palavra se aproximar, não se intimidou. Escutou tudo calado, mas desta vez sem o medo que sentia antes. Assim, mais preparado para enfrentar a Palavra Gigante, ouviu o que ela tinha a dizer. Analisou com muita calma, palavra por palavra e concluiu que o que tornava a Palavra tão poderosa, não era o excesso do poder, mas a falta de amor. A agressividade toda era a forma que a Palavra encontrava para esconder a tristeza que havia em seu coração. O Medo descobriu que poderia se aproximar da Palavra usando a arma que ele conhecia melhor: A Humildade!



                             Débora Benvenuti

A Sombra e a Solidão






No mais alto da montanha, a Solidão foi se isolar. Precisava ficar só, apesar de que a maior parte do tempo, estar só era o que mais fazia. E por ser Solidão, sabia que precisava meditar e não havia melhor lugar do que aquela majestosa montanha, que se erguia altiva, quase até atingir as nuvens. Ali havia uma quietude indescritível. Nenhum som se ouvia, a não ser o revoar de alguma ave prenunciando o findar do dia. A Solidão escutou o silêncio por um longo tempo, até que em determinado momento, observou uma sombra ao seu lado. Pensou que talvez fosse a sua imaginação, mas naquele momento, a Sombra fez um movimento, demonstrando que estivera ali há um bom tempo. Na verdade, desde que a Solidão chegara. Esta observou a presença da Sombra e se perguntou a quem ela pertencia. A Sombra mais do que depressa, respondeu. Eu pertenço à você!
- Mas como assim, perguntou a Solidão. Eu estava só e somente agora percebi a tua presença.
- Pois sou como você. Sou a sombra que ninguém percebe, apesar de estar em todos os lugares.
- Mas eu sou diferente. As pessoas sempre percebem a minha presença e quando chego, todas se afastam.
- Minha sombra muitas vezes é benéfica. Muitos me procuram, quando o sol está muito quente e mesmo assim não deixo de ser solitária.
- Mas contigo é diferente. Ninguém se afasta. Pelo contrário, és muito procurada.
- Isso não faz com que eu seja menos solitária. Quando a noite chega, eu acompanho todos pelo caminho e então percebo que não faço diferença nenhuma.
A Solidão deu um profundo suspiro e ficou resignada com a sua triste condição. Mas ficou um pouco mais tranquila quando constatou  que até a Sombra sofria de solidão.


Débora Benvenuti

domingo, 14 de outubro de 2018

O Amor, o Coração e o Perdão




Um Coração muito magoado,
se sentia muito amargurado.
Precisava falar com o Amor
e ser por ele perdoado.
Sentia-se muito cansado pelo muito que vivera.
O mundo todo percorrera,
atrás desse amor sem fronteiras.
Sabia que precisava urgentemente,
se desfazer dessa mágoa,
que consigo carregava.
Mas antes de falar com o Amor
e pedir que fosse perdoado,
precisava muito descobrir os segredos
que dentro dele se escondiam e
que ele próprio, desconhecia.
Então decidiu viajar,
fazer uma introspectiva do que fora a sua vida.
Saiu cedo, mal havia clareado o dia.
Levou consigo apenas a sua sabedoria,
que era tudo o que ele adquirira,
nesses anos todos de agonia.
Andou muito e pelos caminhos pelos quais seguia,
Ia encontrando as respostas que tanto queria.
Sentiu saudades da felicidade que sentira um dia,
e isso o fez ficar mais angustiado.
Numa curva do caminho, encontrou o Amor, desesperado.
Sentia falta do Coração,
Onde estivera hospedado.
Chorava muito e se sentia abandonado
e  vendo o Amor vir em sua direção,
se sentiu mais animado.
Mas não teve coragem de falar ao Coração,
mesmo sabendo que dentro dele havia muita compreensão.
Os dois se encontraram lado a lado,
mas nenhum deles sabia por onde começar o diálogo,
que não mais poderia ser adiado.
Cada um sabia o que deveriam falar.
Os erros que cometeram,
não poderiam ignorar.
O Perdão que por ali passava, resolveu ajudar:
Soprou baixinho, palavras de carinho
e o Amor se pôs a escutar.
Sentiu-se envolvido e comovido.
Estendeu os braços e tocou suavemente o Coração.
E assim, enlaçados docemente,
nem perceberam a presença do Perdão,
que se retirou lentamente
e foi habitar outros corações...



Débora Benvenuti