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segunda-feira, 25 de abril de 2016

A Ilusão, a Imaginação e a Decepção




A Ilusão era um ser muito sensível e por ser assim, muitas vezes sentia que estava sendo enganada. Por mais que a Imaginação se esforçasse para fazê-la acreditar que tudo era possível, que até os sonhos mais distantes muitas vezes podiam se tornar reais, aparecia a Decepção, com o seu jeito amargo de ver as coisas e dizia que tudo não passava de ilusão. Desiludida, a Ilusão já não mais sonhava e quando se permitia ter um sonho, o guardava só para si, pois sabia o quanto a Decepção já a havia magoado. Muitas vezes a Imaginação povoava os seus pensamentos e e ela se deixava carregar em suas asas, por voos tão altos e por lugares jamais antes imaginados. Sentia-se flutuar no espaço e era uma sensação tão intensa, que muitas vezes se sentia bailando, como se fosse uma folha carregada pelo vento. E a folha carregava a Ilusão em seus braços, de forma tão delicada, que a Ilusão sentia que todo os seus sonhos estavam sendo realizados. Mas como havia chegado o inverno, a folha que antes fora tão verde e viçosa, agora já se sentia enrugada e seca, mas mesmo assim, insistia em bailar com a Ilusão, sob a brisa que as embalava docemente. A Imaginação falava ao vento, sobre os sentimentos da Ilusão e o quanta decepção ela já havia sofrido. Por isso, pedia a ele que continuasse a soprar, delicadamente, para que a folha, já ressecada, não se partisse e caísse ao chão. A Ilusão sofria de depressão, mas desejava que a Decepção nunca mais a encontrasse e naquele momento, o que mais desejava, era continuar sendo Ilusão.


Débora Benvenuti


domingo, 24 de abril de 2016

Convidados Invisíveis



Era uma festa esperada por setenta e nove anos. Depois dos 80 anos, sem jamais ter comemorado um só aniversário, aquela velha senhora resolveu que queria dar uma festa, para dançar uma valsa. Aquela valsa que jamais tinha dançado: a dos seus 15 anos. E a festa aconteceu com muitos convidados. Foi um acontecimento tão emocionante, que a velha senhora decidiu que queria repeti-lo mais uma vez e mais uma vez. Agora não eram mais 80 anos e sim 90 anos de pura emoção e energia. Ninguém diria que a festa teria tantos convidados. Acontece que a maior parte dos convidados e a que mais se divertiu, desceram de dois ônibus, que estacionaram no local da festa. A própria aniversariante dançou ao som de sua música predileta, na companhia de todos os entes queridos que já haviam partido. Como eles souberam desse acontecimento? Fica aqui a suspeita: eles receberam uma visita dos parentes vivos, que foram homenageá-los no seu local de descanso e resolveram que já haviam descansado o suficiente por muitos anos e todos eles se reuniram para comemorar junto com a velha senhora aquele momento tão especial, que uniu todas as gerações, mesmo que muitos não tenham tido a oportunidade de vê-los. Se eu estava lá e vi? Não, mas com certeza, se tivesse participado, teria esbarrado em algum deles.



Débora Benvenuti

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Nada por Nada


O Nada foi muitas vezes surpreendido por Nada. Nada do que ele estivesse fazendo poderia ser explicado. O Nada era um ser enigmático e muitas vezes, inexpressivo. Quando alguém o surpreendia fazendo o que não era da conta de ninguém, ele simplesmente dizia que não estava fazendo nada. E quando não estava fazendo nada mesmo, ninguém acreditava. Então o Nada se aborrecia, pois era muitas vezes desacreditado e por este motivo,  começava a ser investigado. Era tão surpreendentes as suspeitas levantadas contra ele, que muitas vezes ele mesmo se surpreendia. Quem é que ia acreditar nele, se tudo nele representava suspeitas?  Se estivesse calado, simplesmente observando o nada que o rodeava, já era motivo para alguém se perguntar o que ele estaria fazendo. E muitas vezes ninguém conseguia que ele dissesse nada. Era Nada o tempo todo. Isto irritava muita gente. Como alguém poderia ficar o tempo todo sem fazer nada...? E o Nada não fazia absolutamente nada. Nada daquilo que as pessoas pudessem imaginar. Não fazer nada era o motivo perfeito para não precisar dar explicações, pois nem sempre elas seriam entendidas. Então, quando era pego fazendo alguma coisa, lá vinha a resposta prontinha, como sempre fazia: eu não estou fazendo nada, você também, que mal tem...?


Débora Benvenuti

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Gavião e a Coruja




Mamãe Coruja tinha dois filhotinhos. Uma das corujinhas ela chamou de Lua, por ser menina e a outra corujinha era Ivi, um menino a quem ela dava muito atenção, por ser mais novo que Lua. O Papai Coruja muito cedo abandonou o ninho, não por vontade própria, mas porque sempre deixava as coisas para depois, cabendo à Mamãe Coruja o sustento do ninho. E assim foi por muitos anos. Mamãe Coruja era letrada. Havia aprendido a ensinar e saía do ninho várias vezes ao dia e às vezes à noite, para ensinar outras corujinhas os valores que ela também ensinava, com muito amor, às suas corujinhas. Por não existir a figura de um papai coruja, a quem o filhote Ivi  pudesse se espelhar, Mamãe Coruja sempre se preocupava em suprir qualquer necessidade de Ivi, demonstrando amor e ensinando-o a voar pelo seus próprios meios. Muitas vezes, quando Mamãe Coruja percebia que ia faltar alimento para os dois filhotes, ia vendendo os galhos do seu ninho a outros pássaros, até que seu ninho quase desabou. Então seu irmão, chamado Vivi se comprometeu a dar estudo para seus sobrinhos, pois queria que nada faltasse a eles. E assim aconteceu. Mamãe Coruja refez o ninho e titio Vivi a ajudou a dar estudo, principalmente à Ivi, pois queria que ele fosse doutor. Enquanto isso, Lua se formou na faculdade que ela escolheu e começou a trabalhar. Havia encontrado o grande amor da vida dela e do amor dos dois, nasceu Raio de Sol, que passou a ser o centro das atenções. Certo dia Mamãe Coruja caiu do ninho e fraturou a perninha. Ficou imobilizada por vários meses e Lua a cuidou com muito amor e dedicação. Então chegou o dia em que Ivi finalmente terminou sua faculdade. Agora era Doutor. Alguns meses antes de Ivi se formar, ele conheceu um Gavião fêmea e por ela se encantou. Mamãe Coruja percebeu, que dois seres tão diferentes, jamais iria dar certo, pois o gavião Bia era um ser muito sem sentimentos. Dizia à Ivi que tinha nascido para ele e o convenceu que ele não viveria sem ela. Queria construir um futuro com ele, e dizia que ficaria com ele somente porque ele havia prometido que se casaria com ela. Um dia, ela disse que ele não precisava mais de Mamãe Coruja. Poderiam substitui-la por um cãozinho, a quem dariam o nome de sua mãe. Assim, quando ele sentisse falta da Mamãe Coruja, teriam o cãozinho, a quem dariam o nome de Debra. E Ivi se preparou para um voo solitário, deixando o ninho e todos os ensinamentos que havia recebido de Mamãe Coruja.


Débora Benvenuti

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A Imagem e a Ação





A Imagem era um ser muito pretencioso. Tudo o que ela quisesse, ela conseguia, mesmo que para isso fosse preciso usar a imaginação e tecer uma teia muito bem tecida, para que seres inofensivos para ela fossem direcionados. Imaginava-se o centro das atenções e depois de prender a sua presa, não havia nada que pudesse ser feito para salvar o inofensivo ser que caía em suas garras. Só o que ela não sabia era que para toda Ação, sempre há uma Reação de mesma  força e intensidade.  A imagem era tão segura de si mesma, que jamais imaginou que a Ação repeleria os seus atos mais insanos e seu passado nebuloso. A Imagem  acreditava que possuía um caráter  único e isto a tornava insuperável. O tal caráter se localizava exatamente no meio de sua imagem, para o qual convergiam todos os seres desavisados. Só um momento: seres inofensivos e desavisados? Isto com certeza é só força de expressão. A Reação se manifestou assim que percebera as intenções da Imagem e avisou o inofensivo ser, mas este já havia mergulhado de corpo e alma, naquele  poço negro e profundo que a Imagem refletia.



Débora Benvenuti

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Sem asas para voar






Lá do alto do penhasco, a Imaginação observou a paisagem maravilhosa que se descortinava ante seus olhos. Fechou os olhos com força, e os abriu novamente, com medo de estar sonhando. Aquilo não era um sonho, nem mesmo um pesadelo. Era algo que ela própria não sabia como identificar. Havia muito tempo que estivera nesse mesmo lugar e tudo parecia tão diferente agora. O que havia acontecido com ela? Onde estava a coragem que sempre tivera e que a impelia a voar cada vez mais alto? Se estava lá no alto do penhasco, era porque sabia como chegar até lá, mas naquele momento, o que ela mais queria era ter asas para voar. Se lançar no infinito dos seus sonhos e ir aos lugares que ela sempre imaginou que poderia estar. Era um mundo totalmente diferente que ela observava agora. Algo dentro dela adormecera. Nada mais sentia. As horas e os dias deixaram de ter importância e e ela tinha muito medo do desconhecido. Mas o desconhecido sempre existira, talvez ela nunca tivesse percebido. Esses pensamentos não a deixavam um instante qualquer. Ela precisava descobrir o que tanto a inquietava. Será que era o Tempo que a esquecera naquele lugar? Se ela não se importava mais com o Tempo, talvez fosse isso mesmo que estava acontecendo. O Tempo nunca mais passara por ali e a deixara sem nenhuma explicação. Queria falar com o Tempo, saber coisas que ela ainda não entendera, mas nem mesmo ela sabia o que queria perguntar. Precisava dar um mergulho para dentro de si mesma e tentar se encontrar. Quando isso acontecesse, muitas coisa poderiam ser esclarecidas. E foi o que fez. Deitou-se na relva muito fofa que havia ali perto e ficou ouvindo o suave som de um riacho. Foi fechando os olhos lentamente e adormeceu. Quando acordou, percebeu que o Tempo por ali passara, mas ela não pode vê-lo, porque adormecera profundamente...




Débora Benvenuti